Mistura de espécies selvagens pode se tornar uma ameaça aos pequenos felinos do Pampa
16/10/2025
(Foto: Reprodução) Gato-do-mato-grande que carrega genética do gato-do-mato-pequeno
Felipe Peters
“A curiosidade matou o gato!” - não é o que acontece nos Pampas. No Sul do país, o ditado popular poderia ser diferente: a curiosidade salvou os gatos!
Foi a curiosidade, “matéria-prima” da ciência, que levou pesquisadores a uma descoberta genética relacionada a duas espécies de gatos selvagens. O cruzamento entre o gato-do-mato-grande (Leopardus geoffroyi) e o gato-do-mato-pequeno (Leopardus guttulus) gerou felinos híbridos e reprodutivamente viáveis.
Gato-do-mato-grande puro, com padrão de pintas sólidas
Felipe Peters
“Estudos genéticos desenvolvidos pela equipe do Dr. Eduardo Eizirik, da PUC do Rio Grande do Sul, mostram que os indivíduos analisados no estado carregam traços das duas espécies, inclusive com retrocruzamento (cruzamento do indivíduo híbrido com um indivíduo geneticamente ‘puro’), formando um mosaico genético complexo que se expande principalmente em direção ao Pampa", explica Felipe Peters, biólogo do projeto Felinos do Pampa.
"Embora a hibridização desses felinos possa até representar um aumento da diversidade genética, esse cruzamento pode trazer riscos. No futuro, pode ser que o gato-do-mato-grande ‘puro’ fique restrito a pontos isolados da região Sul, do estado gaúcho, enquanto a condição híbrida pode se tornar uma característica mais ampla das populações do Pampa brasileiro”, complementa.
A hibridização dessas espécies é mais comum na região central do Rio Grande do Sul, em uma zona de transição entre a Mata Atlântica e o Pampa.
Gato-palheiro-pampeano
Felinos do Pampa
“O estudo feito pela pesquisadora Caroline Sartor e colaboradores aponta que esse fenômeno parece ser influenciado pela ação humana, já que os híbridos aparentemente são mais tolerantes a áreas alteradas, nestes mosaicos agrícolas. A fragmentação desses ambientes nativos tende a favorecer a interação entre essas duas espécies nas áreas de contato”, afirma Peters.
O gato-do-mato-grande “puro” costuma apresentar uma pelagem com padrão pintado e pode pesar mais de seis quilos. Já o gato-do-mato-pequeno raramente chega aos três quilos e apresenta rosetas espaçadas ao longo de todo o corpo.
Mas e um felino híbrido? O animal que surge desse cruzamento apresenta atributos genéticos e fenotípicos que podem mesclar essas características - por isso, não é fácil identificá-lo apenas pela aparência; geralmente, é necessária a realização de exames mais detalhados.
Jaguatirica (Leopardus pardalis)
moodejo / iNaturalist
Os híbridos podem apresentar comportamento mais tolerante a áreas modificadas pelo homem. Essa condição, no entanto, costuma expor esses indivíduos à retaliação de moradores de zonas rurais, quando atacam aves domésticas.
Os pequenos felinos também ficam mais vulneráveis a doenças transmitidas por animais de estimação. “Deveríamos ter um olhar especial para o Pampa, que é um dos biomas mais ameaçados do país e é a casa dos pequenos felinos. Cuidar desses campos nativos é cuidar desses animais ameaçados”, afirma Ana Paula Albano, médica-veterinária do Projeto Felinos do Pampa.
RS é refúgio dos pequenos felinos
Das dez espécies de felinos que existem no Brasil, oito podem ser encontradas no Rio Grande do Sul. Com exceção da onça-pintada, sete delas vivem no bioma Pampa e nas áreas de transição com a Mata Atlântica: onça-parda, gato-mourisco, gato-do-mato-grande, gato-do-mato-pequeno, gato-palheiro-pampeano, gato-maracajá e jaguatirica.
Gato-maracajá (Leopardus wiedii)
svaldvard / iNaturalist
Essa riqueza de espécies revela uma diversidade de comportamentos e morfologias que muitas vezes passam despercebidos. A maior parte das pessoas confunde as espécies e resume os pequenos felinos como “gato-do-mato”.
“É importante conhecer bem as espécies para trabalharmos com educação ambiental e proteger tanto as populações originais, como também entender o papel desses híbridos nessas paisagens modificadas”, completa Albano.
O Projeto Felinos do Pampa é uma iniciativa dedicada à pesquisa e ao monitoramento de felinos silvestres no bioma, com foco na conservação e na educação ambiental.
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